O século asiático

A crise do coronavírus torna ainda mais evidente a ascensão e poderio dos países orientais

Por Lawrence Pih

Muitos amigos têm me perguntado qual é minha opinião sobre a atual crise sem precedentes. Aqui estão alguns dos meus pensamentos. Não são, veja bem, verdades absolutas. Posso estar errado. Mas é o que penso.

Antes desta crise, vimos uma dissociação gradual das duas maiores economias do mundo, os EUA e a China. A rivalidade entre estes países teve uma virada mais ameaçadora, tanto econômica quanto geopoliticamente. As guerras comerciais e tecnológicas começaram a ocorrer não apenas entre eles, mas também entre os EUA e as principais economias do planeta, particularmente na frente comercial. O mundo já estava em um modo de confronto, antes do coronavírus. Eram as democracias liberais ocidentais desafiando modelos de governo autocrático. Era o laissez-faire versus governos centralizados. Eram os governos liberais contra aqueles com grande presença do Estado.

Todas as principais economias vinham surfando uma onda de bolhas de ativos. A maioria desses governos estava sobrecarregada fiscalmente. Os bancos centrais com poucas ferramentas e uma dívida massiva do setor privado apenas tornaram tais economias mais frágeis. Este era o mundo antes da crise atual.

E então veio a pandemia de Covid-19. Seu ritmo de contágio é assustador e sem a perspectiva de cura ou vacina em curto prazo. Alguns governos optaram por medidas draconianas de bloqueio, enquanto outros escolheram ações limitadas e menos restritivas. As democracias claramente têm mais dificuldade em implementar medidas draconianas. À medida que a pandemia piorava, esses governos democráticos não viram outra alternativa senão emular governos autoritários. Mas aqui está o problema: as pessoas que vivem em democracias liberais têm dificuldade em se adaptar a essas medidas de limitação da liberdade. Além disso, seus governos se preocupam com o custo econômico de tais ações. Aqui cabem duas perguntas. A primeira: a abordagem extremamente restritiva reduzirá a dor econômica e, como resultado, produzirá resultados econômicos mais favoráveis ​​a longo prazo e também salvará mais vidas? A segunda: ou uma abordagem mais moderada, apesar de colocar mais vidas em risco, produzirá ao final melhores resultados?

Quanto aos estímulos fiscais e monetários, eu, pessoalmente, preferiria favorecer os necessitados em vez dos negócios. Se focarmos no fato de que 40% da população dos EUA, o país mais rico do mundo, não têm uma reserva de U$ 500 para enfrentar uma emergência, o que dizer das nações países menos desenvolvidas? A verdadeira desigualdade de renda nos EUA é flagrante. E, vale dizer, isso também ocorre em muitos outros países desenvolvidos. Enfim, todos os esforços de socorro devem ter os necessitados como foco principal.

O que prevejo é o desenvolvimento de medicamentos que ajudarão o processo de cura e, posteriormente, uma vacina contra o vírus. Mas estamos lidando principalmente com uma infraestrutura de saúde mal preparada para enfrentar esses desafios. Investimos trilhões de dólares em armas e guerras, em superfluidades. Impomos enormes custos com negligência ambiental, desperdiçamos trilhões de dólares em ineficiências dos governos e favorecemos sistematicamente o 1% sobre os 99%.

Poderíamos estar mais bem preparados para esta crise, que, de resto, era previsível? Acredito que sim. Mas escolhemos não nos preparar. Esta crise se dissipará como todas as crises, mas deixará um custo pesado em muitas economias. As economias desenvolvidas ocidentais sobrecarregadas serão severamente atingidas.

Enquanto isso, os ex-tigres asiáticos, agora unidos pela gigantesca economia chinesa, representarão um novo e assustador desafio ao modelo ocidental. O Japão provavelmente optará por se conectar com seus vizinhos e, também com a Austrália e a Nova Zelândia. É questão de tempo.

Dois terços dos habitantes da Terra vivem na Ásia. A Índia terá a maior população até 2027 e será uma fonte formidável de oferta de mão-de-obra. Em sua luta por um melhor padrão de vida, os asiáticos estão prontos para conviver com enormes sacrifícios que populações muito mais ricas de países desenvolvidos não aceitam. As atuais políticas de imigração dos EUA são claramente xenófobas, o mesmo valendo, em menor grau, para os países europeus desenvolvidos. Isso levará a um movimento de fuga reversa do fluxo cerebral.

Hoje está claro que EUA e China estão lutando pela supremacia tecnológica, sem mencionar a geopolítica. As políticas recentes norte-americanas revelam profunda preocupação com o avanço asiático. Não era para menos. Os estudos STEM – sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática – estão avançando na Ásia, principalmente na China e também na Índia. Do ponto de vista demográfico, os países ocidentais desenvolvidos também estão ficando para trás. As economias não podem crescer com o envelhecimento e o baixo crescimento populacional. Se a lacuna deixar de ser preenchida pela imigração, as perspectivas de crescimento serão pouco alentadoras. Os países ocidentais enfrentarão desafios internos à medida que grande parte da população se sentir deixada de fora e que o modelo econômico existente estiver contra eles.

Veremos o confronto entre os que não têm e os que têm. Assistiremos ao embate entre socialistas contra capitalistas. Também veremos uma tendência em direção a governos mais autoritários no Ocidente, à medida que os fracassos em lidar com esta crise épica trouxerem à luz os benefícios de governos mais centralizados. A ironia é que os setores progressistas da sociedade querem mais participação do Estado, mas sem invadir sua liberdade. Isso parece mutuamente exclusivo.

Os conservadores querem menos participação do Estado governo, mas, paradoxalmente, clamam por um governo mais autoritário que atenda aos que têm. Estamos testemunhando um atoleiro ideológico. Nesse levante econômico, social, político e ideológico, podem surgir imprevistos.

Para os EUA, é sempre politicamente conveniente encontrar um inimigo estrangeiro quando dificuldades internas afloram. Nesse sentido, há algum bode expiatório melhor existe do que uma China cada vez mais forte e assertiva?

O confronto geralmente surge do erro de cálculo e a história está repleta de exemplos. Confronto ou não, é improvável que este não seja o século asiático. Minha esperança é que possamos navegar pacificamente por esses tempos difíceis. Devemos torcer para que os líderes se provem mais estadistas do que políticos.

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