Panerai – A marca do homem

Panerai – A marca do homem

Quando assumiu o comando das officine panerai, Há 17 anos, o italiano Angelo Bonati imprimiu seu estilo aos relógios da empresa, transformando-os em peças únicas para um público muito específico.

Por Marina Rossi

Encontro Angelo Bonati em seu escritório em Milão. Faz 17 anos que o CEO das Officine Panerai divide sua vida entre a capital da Lombardia e Genebra, na Suíça, onde está sediado o grupo Richemont, terceiro maior conglomerado de luxo do planeta, com um faturamento de 10,4 bilhões de euros em 2014. O grupo controla diversas maisons de luxo de grande tradição, como Cartier, Van Cleef & Arpels, Piaget, Jaeger-leCoultre, Baume & Mercier, Dunhill, Chloé, Alaïa, IWC Schaffhausen, Vacheron Constantin, Roger Dubuis, Montblanc e Panerai, entre outras. Torcedor da Juventus de Turim, fã do jazz de John Coltrane, apreciador de tintos como Cheval Blanc, de Bordeaux, e Gaia, do Piemonte, frequentador do Guggenheim e do MoMA em Nova York, Bonati, 64 anos, é definitivamente uma pessoa cosmopolita. Ao mesmo tempo, é alguém que faz questão de preservar suas raízes de homem do interior. Depois de uma hora de conversa, num ambiente relaxado e agradável, fica claro que o perfil da Panerai e de Angelo Bonati se sobrepõem e se fundem sem esforço.

Officine Panerai CEO Angelo Bonati Institutional Portrait
Officine Panerai CEO Angelo Bonati Institutional Portrait

Ele admite ter pilotado as escolhas dessa marca tão característica da alta relojoaria, mas minimiza sua contribuição. Com modéstia e elegância, atribui seu sucesso à “sorte”. Aliás, foi por sorte que a Panerai e Bonati se encontraram. Quando o grupo Richemont lhe propôs assumir a grife, em 1997, Bonati aceitou sem hesitar. “E logo me vi sozinho no escritório, eu e o coitado de um fícus num vaso, que ninguém regava há meses; eu havia acabado de chegar, tinha começado a cuidar dele – e enquanto isso eu refletia…”

Hoje a Panerai congrega 600 funcionários, 300 dos quais cuidam da produção na nova fábrica em Neuchâtel, na Suíça. Pois é justamente a frase “enquanto isso eu refletia” que resume à perfeição o retrato de Bonati: um homem com gana de sobra e vontade férrea, típicas dos autodidatas, como ele próprio se define. Ou melhor, características comuns a todos os self-made men que alcançam os picos do sucesso e da riqueza por meio do trabalho árduo e do estudo, contando apenas com suas próprias forças.

Naquele ano, 1997, Bonati recebeu nas mãos dois modelos de relógios da Panerai – um laboratório de relojoaria fundado em Florença em 1860, que mais tarde se tornaria o fornecedor exclusivo de instrumentos de precisão para a Marinha de Guerra italiana. O grande salto para a notoriedade da marca aconteceu nos anos 1930, durante a militarização italiana da era fascista: a Panerai passou a fornecer bússolas, relógios e lanternas de mergulho para as unidades submarinas de elite, os célebres homens-rã.

Em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, essas unidades conseguiram penetrar no porto de Alexandria, no Egito. Seis mergulhadores da equipe Gamma, cavalgando em pares três minissubmarinos de ataque, colocaram cargas explosivas nos cascos dos navios, programaram as detonações e emergiram, simultânea e pontualmente, a uma distância segura. E da superfície testemunharam as explosões que poriam a pique os até então inexpugnáveis encouraçados Valiant e Queen Elizabeth, cada qual com 31 mil toneladas, além de um petroleiro e um caça-torpedeiro da orgulhosa British Royal Navy.

No pulso de cada homem-rã estava o relógio de mergulho Radiomir, que a Panerai criara especialmente para a missão. Meses depois, discursando na Câmara dos Comuns, o primeiro-ministro inglês Winston Churchill (1874-1965) admitiria, com a ironia de sempre: “Seis italianos vestidos com escafandros um tanto insólitos e equipados com relógios de pulso e materiais de custo irrisório conseguiram a proeza de devolver ao Eixo a vantagem militar na área do Mediterrâneo”.

Em plena década de 1990, ao valorizar esse feito histórico e ao destacar a perfeição tecnológica e a preocupação estética dos relógios Panerai, Bonati levou rapidamente a marca para o sucesso. Acertou no alvo ao posicionar o produto no mercado mundial. Ao mesmo tempo, do ponto de vista da comunicação e da visibilidade, ele conseguiu ligar a imagem dos relógios Panerai às grandes regatas internacionais, bem como a eventos relevantes no setor do design.

Um exemplo bem atual: no último Salão do Móvel de Milão (um dos mais concorridos em nível global no setor da decoração), no espaço Rossana Orlandi – um dos mais cool do Fuorisalone –, o estande da Panerai exibia o protótipo daqueles “torpedos tripulados” da Segunda Guerra. Lá estava o design ultracontemporâneo dessas máquinas, cercado por animações multimídia e por três modelos icônicos da marca. A saber: o Radiomir do Egito, os novos Luminor Submersible 1950 3 Days Chrono Flyback e, a grande estrela, o Luminor Submersible 1950 Carbotech, com caixa feita de carbotech, composto inédito na alta relojoaria, uma liga de fibras de carbono.

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THE PRESIDENTSignor Bonati, gostaríamos que nos contasse suas origens, o contexto histórico da sua infância. Quais são suas primeiras lembranças?
Angelo Bonati – Minha origem é a região da Lombardia, que tem Milão como capital. Nasci no começo da década de 1950 numa aldeia da Lomellina, área agrícola ao sul de Milão, e cresci num ambiente rural, de campo. Quando criança, brincava de faroeste com os colegas de turma na beira do rio Pó, o maior da Itália. Enquanto frequentávamos a escola, o raio de ação era limitado, mas, com as férias de verão, ele se estendia para a natureza toda. Do amanhecer ao pôr do sol, éramos então crianças sem limites…

Como era sua família, o que eles faziam?
Não gosto de me lembrar, pois não tive uma verdadeira família. Meu pai morreu quando eu tinha 3 anos, nem sequer tive tempo para conhecê-lo. Só me lembro dele como uma figura bondosa. Fui criado pelos tios, no quadro da vida humilde típica dos camponeses italianos, que viviam dos produtos da terra. Ainda carrego valores daquele tempo e daqueles lugares, que nem sei se ainda existem, porque abandonei aquele mundo há muito tempo. Volto lá umas duas vezes por ano, para me encontrar com eles todos no cemitério. É uma hora que vivo com paixão, porque é quando vêm à tona as lembranças da infância, e reencontro lá uma atmosfera quase imutável, intocada. Ando pelas ruazinhas do vilarejo, pelas estradas de terra que percorria quando passeava de bicicleta. São histórias que me deixam com saudade, lembranças lindas, mas também tristes. É um parêntese que se fechou há muito tempo.

Como foi sua adolescência?
Minha família não tinha meios para pagar meus estudos, de modo que precisei me tornar adulto bem cedo: aos 14 anos já trabalhava. Numa cidadezinha perto de onde nasci, Valenza Po [ainda hoje a capital da ourivesaria e da joalheria italianas], aprendi o ofício de ourives; eu gostava muito daquilo, era muito criativo.

Os relógios faziam parte desse mundo da ourivesaria?
Claro que sim. Ainda antes de me tornar ourives, abri um patacão para entender como funcionava. Era o relógio do meu avô, funcionário da ferrovia. Os ferroviários precisavam de relógios de qualidade, bastante confiáveis. Era um trambolho enorme, de bolso. Desmontei ele todinho, mas depois obviamente não consegui remontar aquele mecanismo, o que me valeu uns tapas bem merecidos. Ainda guardo aquele relógio em casa – desmontado.

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Por quanto tempo trabalhou na ourivesaria?
Uns oito ou nove anos. Depois decidi me mudar para Milão. Queria estudar, mudar minha atitude de aproximação com a vida. Sempre fui muito determinado. Provavelmente minha origem humilde acabou me dando força e estrutura internas. Em Milão, à noite estudava num curso técnico, de dia trabalhava num dos primeiríssimos supermercados daquela época na Itália, a rede Standa, cobrindo as férias-maternidade de uma funcionária. Depois de terminar o segundo grau, comecei a frequentar a faculdade de economia e comércio.

Uma escolha ambiciosa…
Sempre apostei nas metas difíceis. As coisas simples de se conseguir nunca me interessaram. Depois de dois anos, o diretor que me contratara na Standa me chamou para ir trabalhar com ele na Cartier. Enquanto isso, eu já havia me tornado gerente do supermercado, mas mesmo assim aceitei o cargo que ele me oferecia. Tive de fazer a escolha clássica: ganhar mais dinheiro ou estudar. Apostei na primeira opção, tinha certeza de que podia me afirmar, mesmo como autodidata. Ingressei assim naquele que se tornaria depois o grupo Vendôme (e depois Richemont), gerindo várias marcas, inicialmente no mercado italiano. Naquela época vendíamos muitos isqueiros, era o típico presente chique. Foi assim que começou minha carreira no setor de luxo. Sempre fiz o que mais gostava, sempre escolhi tarefas estimulantes. Minha grande sorte foi conseguir um trabalho que me deixava apaixonado.

Portanto, trabalho e mais trabalho, com pouca diversão…
Sem dúvida. Minha primeira viagem para o exterior foi para a Grécia, o destino mais barato na época. Minhas raízes camponesas sempre vinham à tona. Aplicava à risca o ditado da minha terra: nunca dar um passo maior que a perna, para não tropeçar. Por isso, sempre fui econômico, poupei o que pude – sem chegar a ser pão-duro –, só tentando evitar gastos sem sentido.

Estamos falando da década de 1970, que para a sociedade de muitos países foi sinônimo de “sexo, drogas e rock’n’roll” ou de engajamento político alternativo. Como o senhor viveu aqueles anos, teve alguma experiência diferente?
Sexo, certamente [rindo]. Fiquei claramente afastado da agitação política, porque na política gosto de analisar as situações com uma reflexão mais aprofundada, especialmente em relação a mim mesmo. Os anos 1970 foram os piores na Itália, foram os anos do movimento estudantil, do terrorismo, das Brigadas Vermelhas. Eu detestava aquilo tudo, pois tinha certeza de que para contestar um sistema, ainda que podre e incapaz de funcionar, a violência não serve. Não consigo nem levar em consideração qualquer tipo de violência. Para loucuras eu não tinha tempo. Me levantava às 6 da manhã. Eu é que tinha as chaves do supermercado, eu é que precisava abrir os portões para os funcionários. Aconteceu umas duas vezes de chegar atrasado: havia umas 70 pessoas me esperando para entrar e trabalhar. Eu morri de vergonha – porque na época, para essa gente, entrar com atraso significava receber menos dinheiro no fim do mês.

Com quem morava em Milão?
No começo, fiquei hospedado na casa de uns conhecidos da minha aldeia, que haviam migrado para Milão. Cheguei na noite do Réveillon de 1973; o impacto com a cidade foi um choque. Depois de duas horas já tinham roubado meu carro, um Fiat 500. Era um carrinho de segunda mão, que eu havia comprado trabalhando duro, carregando caminhões com sacas de 50 quilos de adubo nas costas. Pagavam bem, mas era um trabalho que acabava com a gente. Como eu era jovem, fiquei mais forte – era o meu fitness da época.

No mercado de luxo, o senhor teve uma carreira rápida e prestigiosa, com um trabalho extremamente exigente. Depois veio o sucesso. Houve muitas renúncias, especialmente na vida privada, imagino. Valeu a pena?
Renúncias, bastante. Meu dia de trabalho começava às 8 e meia da manhã e terminava depois da meia-noite. Quando viajava, trabalhava a semana toda, inclusive no sábado e no domingo, no escritório ou em casa. Do ponto de vista do trabalho, foi uma época realmente terrível, dos meus 28 anos aos 40. Eu tinha muita vontade de vencer, de me afirmar, de conseguir uma situação de bem-estar econômico para minha família. Sempre consegui isso com o trabalho limpo, sem maldade alguma, guiado por minhas origens e pela cultura que aprendi. Sacrifiquei a mim mesmo e, consequentemente, a minha família – pois além do trabalho ainda reservava um tempo para me instruir, para me atualizar. Sempre li muito, temas difíceis, economia, mercado, ensaios especializados. E tudo o que eu começava, terminava. Ainda hoje sou assim.
Seu filho tem cerca de 30 anos.

O senhor lamenta não ter acompanhado como queria o crescimento dele? Se arrepende de algo?
Olhe, de alguma forma eu estava presente; acho que é inevitável viver períodos complicados com os filhos, de maneira velada ou evidente. Posso admitir, no entanto, que algo incoerente veio à tona no relacionamento com minha família. Especialmente com meu filho, por não ter estado presente o suficiente. Ao mesmo tempo, tenho certeza de ter tentado dar tudo de mim, quando podia, como podia. Acredito que ele irá entender isso, aos poucos. Com certeza, ele é o oposto do que sou, na persistência, no estudo: ele gostaria de igualar o que eu sou e represento, e sei perfeitamente o quanto isso é difícil. Se tivesse de percorrer novamente a minha vida, faria de novo tudo o que fiz, mas com menos egoísmo; porque, no que diz respeito aos relacionamentos familiares, acho que no fundo fui bastante egoísta. Aos 30 anos, eu era uma máquina de guerra, extremamente forte, mas duro demais; com a idade e a sabedoria, fiquei mais manso, suave.

Como surgiu sua paixão pelo mar?
Cresci na beira de um grande rio, o Pó. Aprendi a conhecê-lo desde criança, durante minha infância selvagem, com os amigos. Pegávamos os barcos dos adultos e saíamos para pescar escondidos, sem pedir licença para ninguém. No verão, minha família me mandava para uma colônia de férias, onde eu passava algumas semanas na praia. Ainda me lembro da primeira vez que vi o mar: foi uma emoção muito grande, inesperada. Aquela imensa massa d’água, aquele horizonte sem fim. No mar há um silêncio maravilhoso, o murmúrio da água e do vento é um prazer sem preço. No mar tudo depende do instinto, precisamos entender o mar pelos silêncios, pelas nuvens, pela atmosfera. Hoje, graças à meteorologia, sabemos quase tudo antecipadamente, mas antigamente não era assim. De qualquer modo, sempre é preciso prestar atenção ao mar, pois o tempo pode mudar de repente, e você tem de estar preparado.

Officine Panerai CEO Angelo Bonati PCYC portrait
Officine Panerai CEO Angelo Bonati PCYC portrait

Quando o senhor começou a velejar?
Depois da primeira fase, bem tumultuada, das minhas atividades, achei que estava na hora de desacelerar, de me divertir mais, ter algum prazer. Lá pelos 38 anos aprendi a esquiar e a velejar. Comecei com umas aulas no lago de Como, e o restante aprendi nos livros, nisso também acabei sendo um autodidata. A paixão mesmo surgiu ao alugar veleiros nos fins de semana, ou nas férias, para navegar sozinho, ou com a família, a partir da Sardenha ou da Córsega. Meu primeiro barco, um veleiro Jeanneau francês, de 11 metros, era muito divertido, leve, fácil de pilotar. Agora tenho um Hallberg-Rassy de 15 metros, chamado Why Not 2.

Nome interessante…
Quando decidi comprar meu próprio barco, perguntei a mim mesmo: por que não? E o batizei com esse nome, mas em inglês, porque em italiano e em francês já havia outros. Muitas vezes convido os amigos para a nossa casa de praia, outras saio para velejar sozinho.

A sua personalidade e a imagem da Panerai são muito parecidas: o mar, a história, as paixões.
Acho realmente que tive muita sorte.Vou explicar o porquê. Os relógios Panerai têm origem no mar, mas num mar violento, ligado à guerra, que não havia como evocar em se tratando de uma marca de luxo. Eram valores importantes, mas que não podíamos usar à vontade, em qualquer ocasião. Portanto, apostamos na comunicação sem mencionar o aspecto da guerra. É aí que entra o mar, como sonho. Lembro-me de que um dia, num domingo, no cais, fiquei observando as pessoas passeando: elas olhavam os veleiros modernos, mas não demonstravam emoção. Também olhavam as lanchas grandes, com aqueles motorzões possantes, mas estava claro que as achavam coisa apenas para os muito ricos. E o que chamava a atenção delas? Justamente os veleiros antigos. Eles faziam com que as pessoas sonhassem. São barcos que levam qualquer um a sonhar com a aventura, remetem aos romances de piratas, evocam os antigos navegadores, a história como todos a imaginamos. Aí está minha sorte: entender, antes dos demais, os valores e as vantagens dessa escolha.

A Panerai lançou e patrocina há 11 anos o Panerai Classic Yachts Challenge, o maior circuito internacional de regatas reservadas a veleiros antigos, clássicos. Começa sempre em abril, em Antígua, no Caribe, e prossegue na costa atlântica dos Estados Unidos, e no Mediterrâneo. Como funciona?
O Panerai Classic Yachts Challenge é realmente um evento extraordinário, que atrai multidões. Cada veleiro que participa é único, diferente dos demais, rico em detalhes autênticos e fascinantes. Refletem a época em que foram construídos, o know-how dos antigos mestres carpinteiros e construtores navais que os criaram. A beleza, a elegância, a originalidade e a capacidade artesanal de um navio clássico expressam valores profundos, ligados ao homem e ao mar. Esses são valores que fazem parte da identidade Panerai, que queremos continuar promovendo e incentivando por meio desses eventos. Da minha parte, não sou a pessoa certa para regatas: se eu participar, é para ganhar; mas para ganhar é preciso se dedicar muito – e eu não tenho tempo para isso.

Os fãs da Panerai são tão apaixonados que chegam a formar fã-clubes. Eles têm essa ligação com o mar?
Não, os paneristi não têm ligação real com o mar. Integram fóruns que surgiram de maneira espontânea, atraídos pelos relógios e seus valores, pelo mito daqueles heróis que, independentemente de qualquer bandeira ou pátria, mostraram uma coragem mítica. Além desses valores, há as características peculiares desses relógios, inconfundíveis. Para começar, são relógios grandes. Quando lançamos o primeiro modelo da nova safra, o maior relógio de pulso até então no mercado era 20% menor. E as mulheres costumavam usar modelos tão pequenos que nem conseguiam enxergar a hora. O aparecimento de relógios grandes foi tão marcante, no panorama do mercado, que muita gente ficou apaixonada na hora. Surgiram clubes, e para fazer parte você precisava mostrar na internet a foto com o relógio no pulso, com o número de série. Deu logo para perceber que estava surgindo uma grande paixão, como no caso da Ferrari, daqueles fãs que sonham em ter uma Ferrari, mas não têm os meios para comprar uma – então compram todo tipo de objeto da marca, como camisetas… Com a Panerai aconteceu a mesma coisa: eram poucos os que compraram de verdade o relógio, mas havia muita gente sonhando em ter um. Ao ponto em que um dos fundadores do fórum mudou as regras e abriu o acesso mesmo para quem ainda não tem um Panerai. Da mesma forma que os fanáticos por Ferrari. Aliás, não é por nada que estamos falando de duas grandes marcas semiartesanais italianas…

No Brasil também há paneristi?
Claro que há, mas menos agressivos – os mais agressivos são os americanos. Hoje há paneristi no mundo inteiro, que interagem na rede com nicknames e raramente deixam transparecer de onde são. Quando se encontram, é uma apoteose. Imagine 150 pessoas jogando na mesa seus relógios, nem sei como conseguem achá-los depois. [risos] Todo ano há um gathering, um encontro. Neste ano vai ser em Nova York. No começo eu ainda fazia questão de participar. Depois achei melhor me afastar, porque é um microssistema que não deve ser perturbado com a minha presença. Eles se sentem parte da marca, e muitas vezes é até difícil dialogar com eles, no que diz respeito ao produto. Prefiro observar à distância, mantenho contato constante com eles pela internet, transmito informações e fotos. Assim dá mais certo.

Vamos falar da nova estética Panerai. Por exemplo, a novidade das pulseiras coloridas: elas foram concebidas para o público feminino? Deu para atrair consumidoras, quem sabe até as brasileiras?
Pulseira colorida não é realmente uma novidade. No ano passado fizemos um lançamento marcante pela imprensa. Meus colaboradores, anos atrás, insistiam para irmos atrás do mercado feminino com as pulseiras coloridas. Eu sempre achei que se uma mulher, mesmo brasileira, se interessar por um Panerai, ela deve ser esportiva – e, portanto, escolheria uma pulseira clássica. Acabaram me convencendo do contrário. Então, lançamos em nossas boutiques as pulseiras coloridas de couro de crocodilo. Acabou dando certo, mas não são artigos realmente orientados para o público feminino – que no nosso caso representa mais ou menos 10%. Quem compra nossos relógios são os homens. De qualquer modo, temos uma coleção enorme de pulseiras para escolher: há quem compre seis de uma vez, para poder trocar à vontade, com a chave de fenda fornecida com nosso kit.

A crise comprometeu as vendas? A Panerai precisou diversificar seus mercados?
A crise não nos atingiu em cheio, mas ainda assim nosso crescimento caiu de dois dígitos para um. Nos levou a considerar novos horizontes, mas são situações bastantes diferenciadas. Na Rússia, por exemplo, poderíamos vender quatro vezes mais, mas uma boutique e um dealer já são suficientes: não considero o mercado russo maduro. Nosso produto é culto e sofisticado, não tem nada daquele shining provocado por ouro e diamantes que os russos curtem. Por outro lado, o mercado oriental tem sido extremamente receptivo, e é mesmo sofisticado, especialmente na China, com os chineses evoluindo à velocidade da luz. Na Índia também investimos de forma satisfatória, com resultados importantes.

Como avalia o mercado brasileiro?
Desde que estou no mundo dos negócios, sempre vi o mercado brasileiro oscilar. No Brasil temos uma boutique em São Paulo e cinco pontos de venda. Acho que já está bom. Com certeza poderia ser muito melhor, mas os impostos de importação são muito altos. Muitos brasileiros costumavam comprar seus relógios em nossa boutique do Art District em Miami, voltada para o mercado latino-americano. Agora, com o dólar a 4 reais, comprar em Miami deixou de ser bom negócio. Além do mais, no Brasil você pode parcelar no cartão de crédito. De qualquer modo, percebi que, hoje em dia, todo o mercado do luxo se sustenta com os fluxos turísticos. Não tenho dados concretos, mas estimo que 80% do mercado do luxo esteja no turismo, e não nos mercados internos. As lojas que mais vendem são aquelas onde há muito fluxo de viajantes.

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O que atrai o consumidor para os relógios Panerai?
O nosso não é um relógio para todos, é um produto sofisticado, mas não um status symbol. Jamais tentamos transmitir esse conceito: trata-se de um relógio para pessoas que entendem de relojoaria, que sabem reconhecer seus valores simplesmente tocando um relógio. Um Panerai deve ser entendido por sua unicidade técnica e estética, por sua história, pela sua excelência.

A Panerai patrocinou diversas restaurações de obras de arte antiga e ao mesmo tempo eventos de arte e design contemporâneos. Qual a estratégia dessas escolhas?
Tudo está centrado no relógio, em sua história. Do ponto de vista do marketing, quando decidimos o que queríamos comunicar, apostamos na ligação com nossas origens em Florença. Até o aspecto técnico está bastante ligado a Florença: patrocinamos o museu Galileo Galilei justamente porque as descobertas de Galileu nos levam mais uma vez para o mar e para o tempo. E com sua característica mais marcante, o fato de ser timeless, fora do tempo: o relógio Panerai nasceu em 1936 por exigências militares, mas em seus detalhes é puro design, maravilhosamente contemporâneo. Para não ficarmos amarrados ao aspecto bélico, militar, decidimos apostar no esporte – as regatas – e no design. Quando me apresentaram os móveis e objetos do designer espanhol Nacho Carbonell, por exemplo, no começo fiquei perplexo. No final, porém, a mostra dele que patrocinamos no Fuorisalone 2014 foi muito bem recebida.

São poucas as marcas que mostram tanta coragem…
As Officine Panerai foram capazes de se ligar a imagens muito diferentes, mas sempre sem querer se afirmar acima do que patrocinam. Hoje em dia, no mundo do luxo, muitos buscam um endorsement, uma afirmação mais fácil. Pagam personalidades famosas para participar dos eventos deles, ou para vestir seus produtos. Para mim, tudo isso pertence ao mundo do efêmero. Não há nenhum show-off, nenhum exibicionismo, por trás de nossos relógios, mesmo nas lojas. A Panerai é a imagem de um luxo culto e quase discreto. Gosto de trabalhar no concreto, de pensar no futuro, porque a marca fica e os homens passam. Escorregar no efêmero traz o risco de erosão dos valores da marca.

É essa a razão para oferecer só produtos top de linha?
Estou convencido de que, se meu cliente compra um relógio neste ano, daqui a dez ou 20 anos deve ter a garantia de que seu relógio será consertado, com todo o cuidado, para que ele possa dá-lo de presente ou deixá-lo como herança para o filho.

Voltando ao seu tipo de cliente: uma pessoa que escolhe um Panerai consideraria a compra de um Apple Watch?
É claro que a tecnologia permite que o relógio tenha um monte de funções. A única coisa que a tecnologia não consegue transmitir é a emoção. Não se pode conquistar a paixão com um objeto banal, é preciso um objeto com conteúdo. Um produto como o Apple Watch não me preocupa. Para mim se trata de um tablet de pulso, com toda a sua utilidade, mas sem emoção. Vale o paralelo com a joalheria: para que serve uma joia eletrônica? Independentemente da marca, o relógio carrega em si valores da tradição, do artesanato e da beleza que não são substituídos pela eletrônica. A eletrônica é apenas um meio para se viver melhor. Você pode ver a hora certa até no celular. Mas lê-la no celular não passa emoção nenhuma. Agora, ver a hora certa no mostrador de um bom relógio é outra coisa – é um prazer estético. Tenho clientes que encomendam um relógio de 100 mil euros e que esperam dois anos por ele…

Vamos falar um pouco de seus gostos pessoais. O que faz no seu tempo livre?
Leio, mas só livros sérios, não para me distrair. Adoro ver filmes em casa, porque fico relaxado na frente da tela, muitas vezes caio no sono – num cinema eu ficaria com vergonha. Quando consigo, visito museus, gosto de arte, e amo o jazz, adoro John Coltrane. No esporte, parei com o esqui e hoje sou apaixonado pelo golfe. Gosto de cozinhar para relaxar, mas não é sempre: preparo a ceia de Natal e quando velejo eu mesmo cozinho, invento receitas novas.

Officine Panerai CEO Angelo Bonati Institutional Portrait
Officine Panerai CEO Angelo Bonati Institutional Portrait

Quais são seus vinhos preferidos?
Os tintos importantes, como Château Cheval Blanc em Bordeaux e, entre os italianos, os piemonteses, Angelo Gaja.

Cinco restaurantes que aconselharia na Itália?
Até mais que cinco: em Milão, para um almoço de negócios, a atmosfera certa você encontra no Il Salumaio; em Portofino, gosto do Puny; em Florença, La Cantinetta Antinori; em Veneza, Da Fiore e Do Forni; Gianni Pedrinelli em Porto Cervo, na Sardenha; Il Riccio em Capri; e finalmente La Foresteria Planeta em Menfi, na Sicília.

Onde gosta de passar as férias?
No Mediterrâneo. Na Sardenha ou na Córsega: o silêncio em Capo Corso, o pôr do sol em Macinaggio são coisas únicas.

Para encerrar, gostaria de fazer algumas perguntas ao estilo do “questionário proustiano”. São as mesmas que o apresentador James Lipton faz nas entrevistas do programa Inside the Actors Studio.
Vamos lá.

Qual sua palavra preferida?
Amor.

E a palavra de que menos gosta?
Ódio.

Qual o som de que mais gosta?
Trrr, toc: a bolinha entrando no buraco, no golfe.

E o som que mais o irrita?
Pessoas gritando no restaurante.

Qual o seu palavrão predileto?
Não gosto de palavrões, mas acabo soltando cazzo com mais frequência do que gostaria. [risos]

O que o estimula?
O conhecimento.

O que o deprime?
A infelicidade.

Que profissão gostaria de exercer se não tivesse a sua?
Pianista.

E que profissão jamais exerceria?
A de carrasco.

Se o paraíso realmente existir, o que gostaria de ouvir de Deus quando chegasse lá?
Quer um café? [risos]

Quem é Angelo Bonati?
Uma pessoa cheia de defeitos, mas honesta, com um senso ético bastante profundo.

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