Nesta pandemia, temos de cuidar também das vítimas invisíveis: os desempregados
Por Flávio Rocha
É preciso deixar claro. A moeda dessa crise do coronavírus são vidas. E elas não são negociáveis. A questão que deve ser colocada é que existem vítimas invisíveis nessa pandemia. Além das pessoas que perderam a vida devido ao Covid-19, estão os desempregados, desalentados e aqueles que podem ser vitimados pela violência urbana.
Aquele empresário que está levantando o questionamento do caos econômico e social não deve ser visto como um vilão que só quer saber de dinheiro. Está se colocando um falso dilema, como se a humanidade estivesse dividida por aqueles de bom coração (que estão sofrendo com as vidas) e aqueles que falam em grana, ou economia.
Não é disso que se trata. Estamos falando, sim, das vidas visíveis, vitimadas por essa pandemia terrível. Precisamos colocar numa tela de radar uma infinidade de outras vítimas, as invisíveis. Porque desalento, desemprego, caos social e violência urbana também matam.
A comparação que cabe fazer é com um médico tratando um paciente de câncer. Ele tem de calcular a dosagem da sua quimioterapia. É possível, sim, acabar com o câncer. Pode-se aumentar a dose da medicação e destruir as células cancerígenas. O desafio, eis a questão, está em manter o paciente vivo. Pensando num paralelo com o Covod-19, é lógico que um isolamento total da população, por seis meses – num exemplo mais absurdo –, iria minimizar essas trágicas mortes por coronavírus. Porém, o dano colateral seria catastrófico.
Vejam o caso dos Estados Unidos. A maior economia do mundo teve um recorde de pedidos de seguro-desemprego. Chegou a ter 3,28 milhões de solicitações, contra 282 mil em dias anteriores à crise. O recorde anterior foi de 695 mil em 1982, de acordo com números do Departamento de Trabalho do EUA. A estimativa da consultoria Oxford Economics é de que o percentual de desempregados alcance os 20%.
O que pode acontecer no Brasil? É possível imaginar um desemprego muito maior por aqui. Isso mata em massa. Isso desorganiza a economia – e mata de fome. Não adianta a boa intenção de imprimir dinheiro se as gôndolas estiverem vazias, porque se desorganizaram as cadeias produtivas. O nome disso é hiperinflação.
É preciso observar a questão de forma sistêmica. Ao tirar a economia da tomada, podemos gerar muito mais vítimas já neste ano. Pode ser pior para essas vítimas invisíveis do que até os piores cenários para aqueles que sofreram com o coronavírus. Isto sem falar de uma recessão sem precedentes.
Não temos esse histórico. O que acontece quando você tira a economia da tomada? É como o forno de uma siderúrgica. É isso que torna de difícil execução essa prática do confinamento absoluto.
Não sabemos como as cadeias produtivas irão voltar a se organizar. O drama mais imediato é o que está acontecendo hoje. É a fome de quem está vendendo o almoço para comprar o jantar. Estou falando daquela pessoa que vive numa casa humilde e viu acabar todo o seu estoque de alimentos.
As empresas mais estruturadas conseguem se manter. No Grupo Guararapes, do qual a Riachuelo faz parte, estudamos todos os cenários de stress imagináveis, mesmo com a interrupção de 100% do fluxo de vendas. Estamos lidando também com a interrupção de pagamentos do cartão.
Claro, o foco número 1 é preservar o nosso bem mais preciso: o bem-estar do nosso time. Suspendemos as atividades em lojas. Mantivemos, no entanto, uma pequena unidade para produzir máscaras e aventais hospitalares doados aos hospitais. A missão agora também é proteger o caixa. Só vamos voltar a abrir quando tivermos segurança de que tudo isso poderá ser feito.
Nunca vimos um impacto dessa magnitude. Uma semana significa 2% de um ano. Cinco semanas são 10%. O que fazer? É possível incrementar a cultura do digital. Pode-se pensar em regimes diferentes em determinadas regiões do Brasil. Existem lugares com as suas peculiaridades.
Mas sou um otimista incorrigível. Varejista pessimista deveria procurar outra profissão. Nossa ferramenta de trabalho é o otimismo. Vamos sair mais fortes e maduros dessa crise. Não podemos ter uma visão estreita. Temos de preservar todas as vidas (e seus empregos). Não podemos deixar o remédio matar o paciente.