Aos 57 anos, Sharon Stone posa nua e revela beleza tão intensa quanto nos idos de Instinto Selvagem, de 1992.
Por Daniel Benevides
A primeira vez foi com a Playboy. Sharon Stone, candidata a estrela maior, tirava a pele de nerd viciada em livros e assumia a persona sexy e fatal que já trazia em estado latente. A partir daí, deu-se uma avalanche. Principalmente com a descruzada de pernas em Instinto Selvagem. Um movimento simples, realizado com perfeição milimétrica, um controle sensual de arcos e ângulos, que envesgou milhões de olhares e revelou, por um microssegundo, o que nenhuma atriz do primeiro time ousava revelar. O “estrago” estava feito. Sharon era agora o novo símbolo do sexo, que iria dominar os anos 1990, mesmo com uma carreira irregular.
Passados 23 anos, ela volta a jogar com o desejo de homens e mulheres, não como a apostadora de Cassino, mas como uma mulher que não tem nada a perder. Aos 57, tira novamente a roupa, revelando um corpo de proporções míticas, dourado, felino. A edição de agosto da revista Harper’s Bazaar trouxe num preto-e-branco evocativo a eterna Catherine Trammel, escritora sexualmente ambígua de livros policiais que virou Michael Douglas do avesso, com a mesma postura confiante, sabedora de seus encantos irresistíveis, mas também com uma expressão renovada de joie de vivre no rosto. O sorriso, de gata livre dos mistérios, pronta para todas as aventuras, parece iluminar também as curvas de um corpo intocado pelo tempo.
Essa nova liberdade tem um motivo importante, já que, em 2001, ela havia sofrido um aneurisma e consequente hemorragia cerebral que lhe custaram seis anos de recuperação. É sua afirmação plena de força. Que poderá ser conferida também na série Agent X, em que ela interpreta uma vice-presidente às voltas com segredos de espionagem.
Mas voltemos ao começo, com algumas reflexões. Se Marilyn Monroe, com suas iniciais calorosas, que simulam um mmmmm de delícia, é o maior ícone da geração Mad Men, em que o machismo ditava as regras, Sharon Stone (nome real), com seus ssssss sensualmente explícitos, brilhou quando as mulheres já disputavam posições de poder com os homens de igual para igual, no trabalho e, principalmente, na cama. Pode-se dizer que ela é quase uma anti-Marilyn, com muito em comum entre ambas. As duas cenas mais clássicas de sedução no cinema envolvendo pernas femininas são protagonizadas por elas. Marilyn deliciando-se sobre uma grade de ventilação do metrô nova-iorquino, deixando o vestido ser levantado, para o olhar embasbacado de seu acompanhante, em O Pecado Mora ao Lado, de 1955; Sharon diante de seus interrogadores, exibindo sua cobiçada parte íntima, no mencionado Instinto Selvagem, lançado em 1992.
Em ambos os casos, os homens ficam desconcertados, diante de tanta beleza. Mas se Marilyn tem um lado mulherzinha, passiva, que se entrega ao vento e olhares com suposta ingenuidade, Sharon é dominadora, fria e calculista, humilhando seus perseguidores com o poder de um vislumbre. O forte desejo que ela provoca confunde a razão bruta dos policiais – nada mais importa naquele momento a não ser o fato de que não há um anteparo de renda entre o olhar e o ponto de encontro de suas pernas perfeitas. E, se Marilyn, no mesmo filme, botava suas calcinhas na geladeira, para amainar o calor lá embaixo, Sharon usava o gelo de forma definitivamente ativa, com um fálico picador nas mãos.
O filme O Vingador do Futuro, do mesmo diretor de Instinto Selvagem, Paul Verhoeven, já havia despertado atenção em 1990 para sua figura de corpo elástico, longas pernas e fartos seios, e um rosto de beleza clássica, do tipo Grace Kelly. Sua vítima é Schwarzenegger, que entra numa máquina produtora de sonhos para viver um agente especial em Marte, no futuro. Ela é a mulher androide que o trai, duplamente, e que luta com a agilidade de uma pantera, abrindo várias vezes as pernas de forma atlética. Para o papel, Sharon havia frequentado a academia e aprendido tae kwon do.
Mas o sucesso, por incrível que pareça, veio tarde. Ao descruzar e cruzar as pernas em Instinto Selvagem, ela já tinha 33 anos. Nascida numa cidadezinha no nordeste dos EUA, em uma família de classe média relativamente baixa, foi candidata a miss de seu estado, a Pensilvânia, não sem antes brilhar na escola com uma inteligência acima do comum – entrou na faculdade aos 15. Aos 19, foi morar em Nova Jersey com uma tia e entrou para o time da Ford Models. Deu seu primeiro passo em um papel mínimo, sem falas, mas luminoso, no qual assopra um beijo para Woody Allen em Stardust Memories (Memórias), de 1980.
Woody, aliás, não apenas a descobriu como esteve também no último de seus longas relevantes, Amante a Domicílio, em que ela interpreta uma dermatologista entediada com o casamento que, numa divertida inversão de valores, contrata um amante profissional por intermédio de seu paciente, o próprio Allen. É difícil acreditar que uma mulher como Sharon, estonteante aos 54 anos, precisasse pagar por sexo, ainda mais considerando-se que o amante em questão é o feioso John Turturro, também roteirista e diretor desse excelente filme. Mas a graça está aí, e ninguém melhor que ela para personificar o aparente contrassenso. Aumentando a temperatura, Sharon ainda contrata Turturro para um ménage à trois com sua melhor amiga, a irresistível colombiana Sophia Vergara. A cena com as duas só aumentou a especulação, da qual Sharon não se esquiva – ao contrário, só alimenta –, de que seria bissexual. Em mais de uma entrevista ela deu de ombros e soltou um sugestivo “por que não?”.
O certo é que sempre gostou de provocar. Costuma dar declarações de impacto e depois desmenti-las. Tão logo foi lançado Instinto Selvagem, disse ter ficado chocada com a cena em que revela ter deixado a calcinha em casa. Argumentou que não fazia ideia de que as câmeras estavam focando tão de perto. Criou-se até um mal-estar com o diretor, que afirmou que a atriz sabia desde o início o que estava fazendo. Depois vieram os panos quentes e Sharon passou a defender com nonchalance não apenas a cena, mas a nudez nos filmes. Teria, inclusive, discutido com os produtores de uma sequência de 2006 do grande sucesso para que incluíssem mais cenas au naturel, atribuindo depois o fracasso à recusa.
Solteira e soltinha
Mesmo sua tão comentada inteligência excepcional gerou controvérsias. Como Marilyn lendo Ulisses na grama, Sharon sempre fez questão de dizer que era uma devoradora de livros e não apenas de homens, que tinha um QI muito alto e estava longe de ser uma Barbie. É provável que ninguém duvidasse disso, mas, insegura, ela sustentou por muito tempo ser integrante do Mensa, sociedade que reúne as pessoas com os maiores QIs do mundo. Era mentira. De qualquer maneira, trata-se de uma mulher de boas intenções, que milita pela paz no Oriente Médio, faz campanhas de prevenção contra a aids e buscou amenizar os efeitos da pobreza na África com ações humanitárias na Tanzânia. Também adotou três crianças, das quais cuida sozinha, depois de três casamentos desfeitos.
Nada disso, no entanto, estava ainda em seu radar quando disputava papéis nos anos 1980. Depois que Steven Spielberg a preteriu pela namorada, a insossa Kate Capshaw, em Indiana Jones e o Templo da Perdição, Sharon atuou em filmes médios. Que o digam os dois ao lado de Richard Chamberlain, na franquia Alain Quatermain (um sub-Indiana Jones, também divertido), As Minas do Rei Salomão, de 1985, e A Cidade Perdida de Ouro, de 1987. Ou francamente ruins, como Nico, Acima da Lei, ao lado de Steven Seagal. Era realmente pouco para ela.
Um grande momento – talvez o maior, em termos artísticos – se deu em Cassino, de Martin Scorsese, de 1996, em que protagoniza a mulher cocainômana e alcoólatra de Robert De Niro e que lhe valeu um Globo de Ouro e uma indicação para o Oscar. Em 2005, fez o belo Flores Partidas, de Jim Jarmusch, no qual aparece nua, como uma das antigas amantes de Bill Murray. No ano seguinte, viveu a mãe de um garoto sequestrado, em Alpha Dog. E participou das séries Will & Grace, The Practice e Law & Order. Em 2012, num papel contrário às suas convicções e à imagem que passa, fez a mãe repressora de Linda Lovelace, no filme que conta a trajetória da atriz de Garganta Profunda.
Solteira e soltinha, belíssima aos 57, no momento ela filma com os filhos. Trata-se de uma produção independente, dirigida por Paul Duddridge. Mothers Day mostra a vida de mães famosas como ela, Susan Sarandon, Courteney Cox e Christina Ricci. Ainda dá para esperar muito de Sharon. Um recado a quem a considera inatingível. Na reportagem da Harper’s Bazaar, ela reclama que os homens não se aproximam dela por ficarem intimidados: “Se tiver algum adulto querendo me convidar pra sair é só chamar”. Pena que não deixou e-mail nem telefone.