Winston Churchill – “Eu me Contento com o Melhor”

Winston Churchill – “Eu me Contento com o Melhor”

O personalíssimo modo de vida de Winston Churchill, o maior estadista do século 20

Por Marcello Borges
Retrato de Yussuf Karsh

O que você faria se tivesse nascido no colo da aristocracia britânica, mas não tivesse herdado nenhum título de nobreza nem tampouco o dinheiro que costuma acompanhá-lo? Pois foi o que aconteceu com Winston Churchill.

Embora seus ancestrais fossem os duques de Marlborough, o inglês Winston Leonard Spencer Churchill (1874-1965) – sim, parente da família de Lady Di, como o sobrenome Spencer sugere – não era o filho do primogênito da linhagem, ou seja, o felizardo que recebe essas benesses. Por isso, teve de ralar ao longo de muito tempo para manter seu estilo de vida. Que, por sinal, não era dos mais humildes. “Não sou exigente: contento-me com o que há de melhor”, ele diria em uma de suas inúmeras boutades.

O homem tinha gosto refinado. Além de ser um estadista admirável, foi também um aristocrata invejável. Em tempos modernos, é difícil encontrar um paralelo deste personagem que, no frigir dos ovos Benedict, ajudou a salvar o mundo do nazi-fascismo.

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Para o escritor americano Mark Twain, ele seria o “homem completamente perfeito”, já que filho de pai inglês e mãe americana. Aliás, Jennie, a mãe, era, digamos, animada. Inventou o drinque Manhattan e, segundo algumas fontes, somou 200 amantes. Teve um caso até com o rei Eduardo 7º. Daí chamarem-na, de modo velado, Lady Randy – apelido de Randolph, seu marido, e também sinônimo de fogosa.

Ocupados com a vida política e social da Inglaterra, os pais de Churchill não lhe deram muita atenção. Quem ocupou o papel de provedora de afeto foi a senhora Everest, sua nanny. “Amava minha mãe – mas à distância. Minha babá era a minha confidente”, Churchill confessou. Após a morte de ms. Everest, em 1895, ele pagou pela lápide e passou a enviar uma importância anual ao florista da cidade para que cuidasse bem do túmulo dela.

Como cadete, o jovem Churchill ganhava apenas 120 libras por ano, o que não o impediu de comprar cavalos de polo nem de manter uma conta no alfaiate, que levaria seis anos para ser paga. Volta e meia jantava no hotel Coburg – que durante a Primeira Guerra (1914-1918) mudou de nome, tornando-se o icônico Connaught. Aos 20 anos, descobriu que sabia escrever bem, talento que lhe permitiria manter suas crescentes extravagâncias.


Aprendendo a gostar de uísque

Com a deflagração de uma insurreição na colônia espanhola de Cuba, Churchill acionou amigos do pai para que o mandassem visitar a zona de guerra. Conversando com o editor do jornal Daily Graphic, ofereceu-se para escrever reportagens. Tinha início a atividade de correspondente de guerra e, com ela, o hábito dos habanos. “Devo levar para casa uma boa quantidade de charutos de Havana”, relatou à mãe em carta. Completou, irônico: “E posso guardar alguns na adega”.

Há um consenso sugerindo que Churchill fumou, entre 1895 e 1965, cerca de 250 mil puros. Sua média diária em sete décadas de baforadas oscilava em torno de dez charutos. Ou seja, ele acordava e acendia um; e ia dormir com outro no cinzeiro. Era a sua rotina. Clementine, sua mulher, reclamava amiúde com as amigas dos furos de brasa nos camisolões de seda que o marido usava para dormir.

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O MI-6 – serviço secreto britânico – passava por poucas e boas diante da quantidade de charutos que Winston, já então primeiro-ministro do Reino Unido, ganhava de presente. O receio é que estivessem envenenados. Do mesmo temor padeceu, anos mais tarde, Fidel Castro. Eis o motivo de o barbudo ter contratado Eduardo Rivera como provador particular.

Talvez o mais famoso apreciador de charutos da história, Churchill comprava frequentemente seus habanos em lojas como Robert Lewis, A. Durant, J. Grunebaum e Alfred Dunhill. Reza a lenda que, após um dos bombardeios alemães sobre Londres, a Dunhill da Jermyn Street foi destruída. Mas um dos funcionários teria telefonado ao primeiro-ministro às 4 da manhã para tranquilizá-lo: “Seus charutos estão intactos, sir”.

O premiê consumia exemplares de várias marcas. Das extintas La Corona e Calixto Lopez a Punch. Mas foi a fábrica Romeo y Julieta que o homenageou, dando o nome de Churchill ao formato que entre os conhecedores é chamado de Julieta Nº 2. Trata-se de um portentoso cilindro de tabaco de 178 mm de comprimento por 18,7 mm de diâmetro. Proporciona pouco mais de uma hora de baforadas.

British statesman Winston Churchill (1874 - 1965) on the ball during the annual polo match between the House of Commons and the House of Lords for the Harrington Challenge Cup at Ranelagh, 1925. Churchill's House of Commons team won the match 6-2. (Photo by Hulton Archive/Getty Images)
British statesman Winston Churchill (1874 – 1965) on the ball during the annual polo match between the House of Commons and the House of Lords for the Harrington Challenge Cup at Ranelagh, 1925. Churchill’s House of Commons team won the match 6-2. (Photo by Hulton Archive/Getty Images)

Já o hábito do scotch o soldado Churchill adquiriu em sua passagem por Bangalore, na Índia, região muito quente. Até então não gostava do sabor desse destilado. No desterro indiano, no entanto, havia apenas duas opções: “Água suja com chá ou água suja com uísque”. Escolheu a segunda. “Superei completamente minha repugnância pelo sabor”, escreveu em suas memórias. “A repulsa inicial transformou-se numa atração toda própria.”


Guerra e champanhe

Numa revolta tribal na fronteira da Índia com o Afeganistão, nosso herói fez parte do destacamento de Malakand. Enquanto escrevia um livro sobre a campanha militar – The Story of the Malakand Field Force –, ele registrou uma reflexão sobre o champanhe que está entre os mais memoráveis textos sobre essa bebida e sobre a guerra:

“Uma taça de champanhe proporciona uma sensação de euforia. Os nervos se sentem abrigados, a imaginação se agita agradavelmente, a perspicácia se agiliza. Uma garrafa produz o efeito contrário. O excesso leva a uma sensibilidade comatosa. O mesmo ocorre com a guerra, e a qualidade de ambos pode ser entendida com doses moderadas.”

O champanhe tornou-se um amigo inseparável. Entre 1908 e 1965, Churchill entornou – sozinho ou acompanhado – cerca de 42 mil garrafas do espumante. Trocando em miúdos: uma média de duas garrafas ao dia. Exagero? Talvez. Mas é fato que ele enumerou, certa vez, os quatro elementos essenciais da vida: “Banhos mornos, champanhe gelado, ervilhas frescas e brandy envelhecido”.

26th August 1946:  Former British prime minister Winston Leonard Spencer Churchill (1874 - 1965) and his wife Clementine make a toast upon their arrival in Switzerland.  (Photo by Keystone/Getty Images)
26th August 1946: Former British prime minister Winston Leonard Spencer Churchill (1874 – 1965) and his wife Clementine make a toast upon their arrival in Switzerland. (Photo by Keystone/Getty Images)

Com a proximidade aparentemente inexorável da guerra contra os bôeres na África do Sul, Churchill ofereceu seus préstimos como correspondente a dois jornais rivais, o Daily Mail e o Morning Post. O Morning venceu: pagaria 250 libras mensais durante os quatro primeiros meses, e 200 libras nos seguintes, além de cobrir despesas e permitir a Winston ficar com os direitos autorais.

A perspectiva de receita fez com que o soldado hedonista garantisse a reserva líquida que o sustentaria na campanha militar. Uma nota de compras na Randolph Payne & Sons, da St James’s Street, em Londres, revela um precioso estoque a ser levado na bagagem: seis garrafas de vinho d’Ay seco (leia-se champanhe), 18 de Bordeaux, seis de “Porto leve”, seis de vermute, 18 de uísque (“10 anos”), seis de brandy 1866 e 12 de licor de lima. A Payne & Sons viria a ser, por mais de 40 anos, uma das principais fornecedoras de iguarias para Churchill.


Benedictine e conhaque

Dono de um porte robusto, nem mesmo durante os tempos conturbados da Segunda Guerra (1939-1945) Winston Churchill deu lugar ao desleixo. Em que pese a silhueta avantajada, vestia-se sempre com apuro, até mesmo quando teve de usar trajes como o siren suit, um macacão militar. Já como jovem membro do Parlamento, escolhia costumes e sobretudos na Bernau & Sons ou na Henry Poole; bengalas e guarda-chuvas na Thomas Brigg (precursora da atual Swaine Adeney Brigg); e chapéus na Chapman & Moore e na Scott’s.

Era particularmente exigente com o seu underwear. Clementine, sua mulher ao longo de 57 anos, chegou a reclamar para a amiga Violet Asquith: “Ele é muito extravagante com as roupas íntimas (…) Custam os olhos da cara!” Churchill preferia as confeccionadas em seda. Quase sempre da cor de casca de cebola. Defendia-se dizendo que tinha pele delicada – o que era verdade. Dispensava pijamas. E, até o fim da vida, usou apenas cuecas e camisão de dormir de seda. Outra de suas marcas registradas eram as gravatas-borboleta. Especialmente as estampadas com bolinhas, que adquiria na Turnbull & Asser. Esse modelo também era usado pelo pai, de quem adquiriu o hábito.

Churchill adorava receber e fazia de seus jantares uma das armas para convencer políticos. Escolhia o cardápio, os pratos, as bebidas, a música e o placement – a disposição dos convidados à mesa. Ele e a mulher se valiam da ajuda da cozinheira Georgina Landemare, casada com um chef francês. Em 1958, Georgina publicou o livro Recipes from No. 10 (editora Collins, Londres), com 360 receitas preparadas em Downing Street, a residência oficial dos premiês britânicos.

Uma refeição à altura dos gostos do primeiro-ministro teria caldos, ostras ou caviar, lagosta, siri, linguado ou truta; rosbife, paleta de cordeiro e foie gras; queijo gruyère. Arrematava os ágapes com bolo Dundee, feito tradicionalmente na Escócia com frutas secas, rum e amêndoas. Também tinha uma queda pelo Yorkshire pudding e por bombas de chocolate.

Além disso, num gesto pouco britânico, apreciava a culinária do outro lado do canal da Mancha. Pratos como pot-au-feu (cozido pre-pa-ra–do com ervas), beignets de queijo e hochepot à la flamande (guisado com legumes) eram muito bem-vindos. Assim como bebidas francesas – licor Benedictine e conhaque.


Talhe renascentista

É possível que Churchill tenha se dedicado, como seus pais e seus sogros, ao tradicional esporte inglês do “salto da cerca”. Ao que tudo indica, ele e Odette Pol Roger, diretora da casa de champanhe que leva o nome da família do marido, foram mais do que bons amigos. Conheceram-se em 1944, num almoço oferecido na embaixada britânica em Paris, alguns meses após a libertação da cidade. Na ocasião, foram servidas garrafas do excepcional Pol Roger 1928, champanhe que sir Winston ingeriu em quantidades astronômicas até 1953, quando o estoque se esgotou.

Odette era uma das três belas filhas do general francês Wallace, conhecidas em conjunto como “The Wallace Collection” – alusão ao finíssimo museu de arte londrino com o mesmo nome. Churchill consumia os vinhos da maison desde 1908, mas após o almoço de 1944 não provou mais nenhum champanhe de outra marca. Deu a um de seus cavalos mais velozes o nome de Pol Roger. O animal, aliás, venceu um histórico grande prêmio no hipódromo de Kempton Park, em 1953. A casa Pol Roger soube retribuir. Após a morte de Churchill, em 1965, a maison passou a chamar o seu vinho mais prestigioso de Cuvée Sir Winston Churchill. É lançado apenas nas melhores safras.

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Embora Churchill tenha se gabado de que tirou mais do álcool do que o álcool tirou dele, seu médico pessoal, lorde Moran, não concordava com a afirmação. Reclamou: quando seu paciente bebia, tornava-se difícil entender o que dizia, além de ficar com o raciocínio um pouco embotado. Ora, lorde Moran, isso ocorre com quase todos os mortais.

Apesar dos abusos etílicos e gastronômicos, o velho cabo de guerra chegou aos 90 anos. Foi uma figura de talhe renascentista: um fenômeno como soldado, político, historiador, jornalista, orador e frasista, embora pintor mediano. Um homem com estilo único. Inclusive como escritor – o que lhe valeu o Nobel de literatura. E o único na história a ter seu nome perpetuado sob a forma de um charuto e um champanhe. Cheers!

O melhor do velho Churchill

Bessie Braddock (política do Partido Trabalhista): “Winston, você está bêbado”.
WC: “Mas amanhã de manhã estarei sóbrio. E a senhora continuará feia”.

WC: “Nancy, teremos um baile a fantasia na Câmara. Como acha que devo ir?”
Nancy Astor (primeira mulher eleita para a Câmara dos Comuns): “Sóbrio”.

Nancy Astor: “Se eu fosse sua mulher, poria veneno no seu café!”
WC: “E, se eu fosse seu marido, tomaria o café”.

Bilhete do dramaturgo Bernard Shaw, acompanhado de dois ingressos: “Venha à estreia e traga um amigo – se tiver algum”.
Bilhete de resposta: “Estou demasiado ocupado para poder ir à estreia, mas irei à segunda representação – se houver”.

Bernard Montgomery (general britânico): “Não fumo, não bebo, durmo cedo, estou 100% em forma”.
WC: “Bebo muito, durmo pouco, fumo um charuto atrás do outro, estou 200% em forma”.

Um fotógrafo na comemoração dos 80 anos de WC: “Espero voltar a fotografá-lo na festa de seus 90 anos”.
WC: “E por que não, meu jovem? Você me parece bastante saudável”.

Uma senhora, sua admiradora: “Meu filho recém-nascido se parece muito com o senhor”.
WC, já idoso: “Naturalmente, todos os bebês se parecem comigo”.

Um garotinho: “É verdade que você é o homem mais famoso do mundo?”
WC: “É, sim. Agora, cai fora”.

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