Bife de javali, queijos árabes, pimentas mexicanas, sanduíche de mortadela. Conheça o Mercadão e seus arredores.
Por Rosane Queiroz
Fotos Thiago Travesso
Ok, o célebre sanduíche de mortadela do Mercado Municipal, em São Paulo, é mesmo farto, suculento e maravilhoso. Todo mundo deve provar uma vez na vida. Mas há mais tentações entre os boxes do maior entreposto gastronômico da América Latina do que sonha nosso vão apetite. A começar pela confusão visual e aromática capaz de deixar a vida colorida como os vitrais alemães que filtram a luz do lugar.
Só a arquitetura, aliás, é ótimo motivo para se visitar o prédio de 1933, projetado pelo célebre escritório de arquitetura de Ramos de Azevedo (o mesmo que projetou o Teatro Municipal, o Palácio das Indústrias e a Pinacoteca do Estado). São 12.600 metros quadrados e milhares de ingredientes que fazem do Mercadão, para os íntimos, um dos lugares mais gostosos da cidade.
O aroma dos temperos da Casa São Paulo, numa esquina da rua E, é irresistível. Perdida entre curries, cominhos e cogumelos, a dentista Cristina Cavallari, 44 anos, conta que nunca deixa de dar uma passadinha por ali.
“O bom é que, se você vai fazer um prato indonésio, encontra todos os temperos da Indonésia”, diz ela, que mora sozinha e come fora, mas adora produzir jantarzinhos para os amigos. O dono da banca, Arnaldo Menegatti, 75 anos, 27 de mercado, é uma atração à parte. “Ele tem um mau-humor engraçadíssimo”, avisa Cristina. Ela faz questão de pedir desconto, sabendo que ele não dá, só para ouvir o mesmo “não” ranzinza. “Vir ao mercado também é uma chance de se conhecer personagens que fazem parte da história de São Paulo.”
Seu Arnaldo faz jus à fama de mau. “Sou um camarada revoltado”, confessa. Sua barraca não aceita cartões de crédito ou débito. “Com essa nota aqui eu faço tudo”, diz, agitando no ar uma cédula azul de 100 reais. Sem pagar a porcentagem cobrada pelos cartões, ele garante que cobra mais barato. A especiaria mais cara é o açafrão espanhol, feito do “estigma da flor” (2 gramas por R$ 30). Mas a rabugice de seu Arnaldo dá lugar à simpatia e a ótimas receitas quando o assunto migra para os “últimos lançamentos” da casa. Sua versão do tempero uruguaio para churrasco chimichurri é o “menechurri” (de Menegatti). Receita secreta, claro. “Não vou amarrar a cabra para os outros mamarem”, diz.
O mix de ervas desidratadas para carnes parece fantástico. “Misture com vinho branco, coloque o frango em um saco plástico e deixe na geladeira por dois dias, para assimilar bem”, ensina seu Arnaldo.
Dá mesmo vontade de correr para a ala dos açougues e peixarias, ao lado, e testar os temperos. O Mercadão oferece um oceano de peixes e frutos do mar fresquinhos. Caça por ali é mato. Toda ela vinda de criadouros licenciados pelo Ibama. Que tal um bifinho de jacaré? Há ainda cortes de javali, ema, capivara. As carnes de carneiro, de procedência confiável, também são um bom negócio. Casam à perfeição com aquela geleia de menta, disponível nas dezenas de empórios.
O secular Chiappetta, por exemplo, exibe baldes de azeitonas chilenas gigantes e uma infinidade de iguarias de todos os quadrantes do planeta: chili mexicano, cuscuz marroquino, peras espanholas em conserva. “É o lugar para escolher um bom arbóreo e preparar aquele risoto especial”, sugere um dos herdeiros do clã, Leonardo Chiappetta, com leve sotaque italiano. E não saia sem provar pelo menos um dos sorvetes de frutas do Piauí. Isso mesmo. Leonardo lidera o projeto social Terra do Sol na Terra da Garoa, que traz o sabor das frutas nortistas para Sampa. A calda de maracujá do agreste é mesmo pìu-arretada!
Pink, selvagem, a pitaya colombiana reina no hortifrúti Casa Gonsalez. A fruta tem textura de kiwi e sabor suave. O mangostin, marrom e feioso por fora, guarda gomos divinos. Prepare-se para provar uma lasquinha de cada, ainda mais se o atendente for o falante Paulo Silvano. “É a fruta da prosperidade!”, anuncia ele, oferecendo uma tâmara de Israel. “Além de saborosa, é afrodisíaca e digestiva.” Poxa, como pôde alguém viver sem essa frutinha até hoje? “Esta é pra relaxar”, continua Paulo, oferecendo uma banda de grenadilla colombiana, tipo de maracujá, para comer de colher. Sossega-leão total.
“Falam tão mal da Colômbia, e lá tem ar puro, frutas maravilhosas”, diz. O alho gigante Elephant, “da Califórnia”, tem o tamanho de uma laranja. “Ótimo para fazer assado.” Cenoura baby, alcachofra, ruibarbo, os olhos não se cansam de novidades. “E o que não tem a gente arruma”, garante Paulo. Para os living alones, então, ele faz a maior propaganda. “Tem uma cliente do Morumbi que liga aqui e pede dois limões, seis batatas, uma cabeça de alho”, conta. “E a gente entrega!” Depois dessa, nem o slogan da vizinha Barraca do Juca, “a legítima da novela A Próxima Vítima”, em que o personagem de Tony Ramos botava banca, parece tão divertido.
HABANERA A GRANEL
Os loucos por pimenta não podem perder o boxe Geração Saúde. Alaranjada, a habanera mexicana é tida como a terceira mais fuerte do mundo. Tem também a olho-de-boi, graúda e carmim, além de variações das mais conhecidas, como uma dedo-de-moça tamanho GG. Logo em frente, o mundo das 1001 Noites se descortina no empório Tio Ali. A advogada gaúcha Eliana Rigol, 29 anos, gosta especialmente de chanclich, espécie de queijo árabe que encontra por um terço do preço dos outros lugares da cidade. “É um queijinho farelento, tribom”, recomenda. Os frascos de água de rosas também são tentadores.
Podem ser usados no banho, em caldas para doces ou no preparo do inusitado “suco de rosas” (1/2 de groselha, 1/3 de água de rosas). Igualmente lindas são as cocadas Rosa Branca e Rosa Queimada, no formato da flor, da doceria Dona Diva.”O centro de São Paulo é surpreendente”, comenta a carioca Thereza Cypreste. Munida de várias sacolas, a médica conta que se encantou especialmente com a atmosfera interiorana que domina o Mercadão. “Estou em uma megametrópole, com toda a tecnologia disponível, e, de repente, me vejo comprando a granel!”
Depois das comprinhas, é hora de escalar o mezanino e relaxar. O terraço de 2 mil metros quadrados, inaugurado em 2004, reúne oito restaurantes e uma praça de alimentação. Do meio milhão de pessoas que circulam mensalmente pelo mercado, a maioria escolhe os fins de semana para poder rimar chope gelado com bolinho de bacalhau, um dos hits do pedaço, além do lendário pastel.
Em uma das mesas do Elidio Bar, os cariocas Eduardo Gama, 24 anos, Thaís Drummond e Alessandra Medeiros, 29, lembram que no Rio não há nada parecido. “Temos a Cobal, o mercado de São Cristóvão, mas nenhum com essa diversidade de produtos”, diz Thaís. Na mesa ao lado, três empresários de Campo Grande (MS) pedem para falar. “Nossa dica é vir a São Paulo a trabalho e ficar um dia a mais, só para andar pelo mercado, tomar um chopinho, comprar um queijinho”, conta Eduardo Lemos, o porta-voz do trio. Se o programa é legal para turista, sorte dos paulistanos, que podem comer pitaya no quintal.
A ZONA DO PRAZER
O melhor das cercanias do Mercadão
A região do Mercado Municipal guarda endereços preciosos para quem quer dar uma volta útil no Centro. O mercado Kinjo Yamato, na própria rua da Cantareira, é uma miniatura do Mercadão, com preços proporcionais à estrutura. “O Municipal é dos ricos, o Kinjo é dos pobres”, brinca a vendedora da banca de temperos.
O melhor é que a qualidade é tão boa quanto a do vizinho. Tem de tudo: flores, frutas, peixes e hortaliças frescas.
A Zona Cerealista, como é conhecida, está para a gastronomia como a rua 25 de Março para os badulaques. Na rua Santa Rosa, várias lojas passaram por reforma para atrair os consumidores de varejo. Muitas oferecem serviço de valet parking e carregador.
A Casa Flora, 40 anos, trocou o balcão por gôndolas onde é possível encontrar bebidas, queijos e chocolates importados a preços apetitosos. No Armazém Santa Filomena há uma variedade interessante de orgânicos e cereais. Na Cerealista Helena, fornecedora de restaurantes naturais da cidade, os achados são as castanhas.
Dá para voltar com a sacola cheia sem ficar com o bolso vazio.